Genocídio, suas definições e sua realidade
Vanilo de Carvalho
Advogado, escritor e humanista
Introdução
O genocídio é considerado um dos crimes mais graves contra a humanidade. Ele representa não apenas a destruição física de vidas, mas também o apagamento de culturas, identidades e memórias coletivas. A compreensão de seu conceito, de sua evolução histórica e de sua aplicação nos dias atuais é fundamental para a reflexão crítica sobre os rumos da civilização contemporânea.
O conceito de genocídio
Etimologicamente, a palavra “genocídio” deriva da junção do termo grego genos (raça, povo, nação) e do sufixo latino -cidium (matar). O termo foi cunhado pelo jurista polonês Raphael Lemkin, em 1944, no contexto da Segunda Guerra Mundial, para designar a destruição sistemática de grupos humanos (Lemkin, 1944).
Na língua portuguesa, os principais dicionários definem genocídio como o “extermínio sistemático de um grupo étnico, religioso, racial ou nacional” (Houaiss, 2009). Essa definição destaca o caráter deliberado e coletivo do ato, que vai além de simples assassinatos individuais.
No plano jurídico, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (ONU, 1948), em seu artigo II, define genocídio como qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:
- a) Matar membros do grupo;
- b) Causar danos graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
- c) Submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar sua destruição física total ou parcial;
- d) Adotar medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
- e) Efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.
Essa definição consolidou o genocídio como categoria jurídica internacional, sujeita à responsabilização perante tribunais internacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Genocídios na história da humanidade
A história moderna registra genocídios que se tornaram marcos de violência extrema.
Um dos mais lembrados é o genocídio grego perpetrado pelo Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente entre 1914 e 1923, quando cerca de 350 mil gregos pónticos foram mortos ou deportados. Esse episódio, muitas vezes associado ao genocídio armênio, incluiu massacres, fome induzida e deslocamentos forçados (Bryce, 1916).
Outro caso emblemático é o Holocausto judeu, levado a cabo pelo regime nazista de Adolf Hitler, entre 1941 e 1945. Estima-se que cerca de seis milhões de judeus tenham sido exterminados em campos de concentração e extermínio, por meio de fuzilamentos em massa, câmaras de gás e trabalhos forçados (Hilberg, 1985). O Holocausto tornou-se o paradigma histórico e jurídico para a consolidação do conceito de genocídio no direito internacional.
Gaza: genocídio no século XXI?
Atualmente, a situação na Faixa de Gaza tem suscitado intensos debates no campo jurídico e político. Desde outubro de 2023, em decorrência da escalada do conflito entre Israel e o grupo Hamas, milhares de civis palestinos foram mortos, incluindo um número significativo de crianças. Além das mortes diretas por bombardeios, relatos da Organização das Nações Unidas e de ONGs internacionais denunciam a destruição sistemática de hospitais, escolas e infraestruturas essenciais, bem como o bloqueio de alimentos, medicamentos e água potável.
Essas práticas levantam a questão sobre se os atos configuram crimes de guerra, crimes contra a humanidade ou genocídio. Juristas e instituições internacionais, como a Corte Internacional de Justiça (CIJ), têm sido chamados a analisar se a conduta estatal em Gaza corresponde aos elementos descritos na Convenção da ONU de 1948.
Conclusão e reflexão final
O genocídio não é apenas um ato contra um povo específico, mas um crime contra a humanidade como um todo, pois fere os princípios universais de dignidade e coexistência. A análise histórica mostra que os genocídios do passado foram inicialmente negados ou minimizados, sendo reconhecidos plenamente apenas após a devastação.
Diante do que ocorre hoje em Gaza, a pergunta inevitável se impõe ao leitor:
E você, ao analisar os fatos, conclui que o que se passa em Gaza é genocídio — ou o que é que é?